segunda-feira, 22 de setembro de 2014

TEMPESTADE NO BAIRRO


  Tempestade no bairro

          O forte estrondo de um trovão fez Álvaro abrir os olhos. Estava em seu quarto, totalmente escuro. Só se viam os números do relógio, informando que era uma hora da madrugada.

            Outro trovão soou e ele se levantou, foi à janela e abriu as cortinas. A chuva tinha aumentado. Além do som dos pingos batendo furiosamente na vidraça, ouviu murmúrios. Reconheceu a voz de sua mãe, dizendo a alguém:
              - A rua está enchendo, é melhor sairmos daqui.
             O menino entendeu o que estava acontecendo: a chuva, que já durava mais de um dia provavelmente fizera o rio transbordar. O aguaceiro, sem ter como escoar, invadia as ruas próximas. Quando isso acontecia, os bombeiros costumavam evacuar as casas ameaçadas, levando os moradores a um abrigo em uma rua mais alta do bairro.
          Álvaro estava certo. Logo sua mãe, Jacira, apareceu com uma mochila.
              - Pegue algumas coisas, o pessoal da rua está se refugiando no colégio...
             Em poucos minutos ele separou suas roupas e, com a mãe e vários vizinhos, deixou sua casa na rua quase inundada, subindo a ladeira sob um guarda-chuva.
           Luana Lagos parou de escrever por um instante. Passara as últimas horas concentrada no computador, digitando uma história que brotava de sua mente sem parar. Nem havia notado a persistência da chuva: gotas enormes batiam nas vidraças do apartamento quase no mesmo ritmo em que ela martelava o teclado.
             Levantou-se da escrivaninha e foi olhar pela janela.
         A vista do décimo andar era bonita nos dias de sol. Numa madrugada chuvosa e escura, porém, era assustadora. Surpresa, a escritora viu as águas revoltadas do rio ameaçando invadir as ruas próximas. Pessoas fugiam da enchente com seus guarda-chuvas iluminados pelas lâmpadas da calçada. Mais adiante ficava a favela; além dela, algumas fábricas e uma mancha escura: era o terreno baldio que havia se transformado em lixão, apesar dos protestos dos moradores.
           Numa rua bem alta, ficava o colégio municipal, cujas janelas estavam iluminadas – era o local mais indicado para abrigar as pessoas desalojadas pela enchente.
           Com um tremor (seria frio? Medo?), Luana fechou os botões do casaco preto que usava e voltou ao computador. Releu as últimas frases que acabara de digitar.

     A chuva, que já durava mais de 24 horas, fizera o rio transbordar. A enxurrada invadia as ruas próximas. A população, aflita, começou a abandonar as casas à procura de abrigo na zona mais alta do bairro.

       Ela olhou do computador para a janela e da janela para o computador. Era estranho escrever algo e de repente ver aquilo acontecer!
         Luana estava acostumada a ver coisas bizarras na vida, mas aquilo era esquisito demais... Dando um suspiro, ela recomeçou a digitar. [...]

In "Em algum lugar do lixão, Rios, Rosana - São Paulo:Escala Educacional, 2007 - páginas 11, 12 e 13.

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