terça-feira, 10 de março de 2015

PARA QUEM NÃO PERCEBEU A MUTRETA DA CHUVA




Falta de água não é só falta de chuva: o agronegócio e a destruição do cerrado


Jornais e Tvs estão falando muito na falta de chuva como decorrente do aquecimento global. Com isso, reforçam a ideia de que a secura que se alastra em grande parte do Brasil é um fenômeno situado fora de nosso alcance e mesmo de nossa compreensão.

Pouquíssimo se fala em “falta de infiltração da água da chuva no solo”, deixando-se de lado o fato crucial de que a água dos rios e reservatórios brasileiros não somente cai do céu; outra parte, tão essencial como esta, brota do chão, advém das nascentes - e estas estão desaparecendo velozmente...

O sumiço das nascentes tem razões menos imponderáveis do que as flutuações do regime climático: ela se deve à compactação do solo decorrente da destruição do cerrado. Vale pesquisar no Google Acadêmico para constatar: os especialistas são unânimes em afirmar a importância do cerrado na reserva e distribuição da água para 8 das 12 bacias hidrográficas brasileiras. Incluindo-se os aquíferos subterrâneos, cujas águas também dependem do cerrado para sua captação.

As plantas do cerrado, por assim dizer, são como “árvores invertidas”, pois 2/3 delas ficam sob a terra (que, em geral, é arenosa e pobre de nutrientes). Elas suportam longos períodos de seca graças às raízes profundas e emaranhadas, que reservam a água da chuva que cai em boa quantidade somente durante um curto período no ano.

A grande fronteira agrícola aberta no Brasil nas últimas décadas consistiu, basicamente, em substituir a vegetação nativa do cerrado - que é dura, demora muitos anos para crescer e cuja perda é praticamente irrecuperável – por espécies comestíveis de raízes curtas (como a soja ou o milho) que são plantadas sobre solo reconstituído e mantidas com irrigação artificial permanente.

Sem as plantas do cerrado para “bombear” a água para dentro da terra, e retê-la, as grandes plantações irrigadas exigem uma imensidão de água (mais de 70% do total disponível) que apenas em parte é absorvida pelas plantas; a maior parte (cerca de 60%) evapora e é soprada para longe, deixando de suprir as nascentes do cerrado. Especialistas calculam que uma redução de 10% no desperdício da água destinada ao agronegócio já poderia abastecer o dobro da população brasileira atual.

Enquanto se fala em “falta de chuva”, subentende-se que se trata de um fenômeno sazonal – a chuva que foi embora, uma hora vai voltar -, mas talvez seja pior que isso. Há também quem diga que ao invés de crise hídrica deveríamos falar em colapso hídrico: talvez a água que começa a faltar não volte mais. Para evitar isso é preciso bem mais do que poupar e esperar a água cair do céu enquanto pagamos mais caro pela sua falta. Não parece à toa que a bancada do agronegócio cresceu no Congresso e Senado: vai ser preciso mexer com fortes interesses políticos.

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